Minha experiência na cozinha é rasa como um pires. Aprendi algumas coisas quando era adolescente: cozinhar arroz, macarrão, abrir lata de sardinha e telefonar pra pizzaria, o que já era suficiente para minha sobrevivência na ausência da minha mãe. Falando nela, me pergunto se não é a culpada da minha vasta experiência culinária, visto que também nunca foi fã de cozinha, pelo menos não no dia a dia. Mas aí me lembro do pão caseiro que só ela sabe fazer... deixemos o culpado de lado.
Me mudei e, morando perto do trabalho, seria uma facilidade poder almoçar todos os dias em casa. Seria, se não estivesse morando sozinha. Depois de um mês, pude observar e descrever as etapas pelas quais passei para chegar até aqui, enquanto almoço um sanduíche do Subway.
1ª etapa
Primeira compra da casa nova, a gente enche o carrinho e a geladeira, na esperança de “agora vai ser diferente”: verduras, frutas, cereais saudáveis... aceita o desafio e não passa nem perto dos congelados. Em casa, as panelas ainda brilhando. Tira um dia inteiro para cozinhar com fogo bem baixo, a pia sempre limpa, chão limpo, o pano de prato branquinho. Desafio alcançado, a comida é comível! Só erra na quantidade, fica uma semana comendo arroz com batata.
2ª etapa
Relaxa se achando o grande mestre cuca porque conseguiu fritar um ovo, e descuida do tempo para as atividades cozinhísticas. A geladeira fica que nem centro espírita: só tem água e luz. Não dá tempo de ir no mercado, vai se alimentando dos restos do arroz com batata, que já estão no fim, enquanto a louça se amontoa na pia, as panelas manchadas, e o sapato gruda no piso, devido à queda de um pote de conserva de pepino. Come pizza na janta, no café da manhã e no almoço.
3ª etapa
A última compra do mercado é mais realista, com massas semi-prontas e congelados. Deixa pra cozinhar tudo na sua 1h de almoço. Ainda insistindo em sua capacidade de cozinhar sozinho, resolve fazer uma abobrinha refogada. Confiante, coloca o óleo e algumas sementes para fritar, enquanto tenta descascar a abobrinha. Está exatamente ao lado da panela e não percebe a fumaça que começa a sair da mesma. Quando vê o estrago, resolve jogar água pra “amenizar” o queimado... mal consegue enxergar onde fica a janela pra poder liberar a fumaça. Cabe acrescentar que esta etapa da vida na cozinha (graças a deus a casa tem outros cômodos) também envolve o terror dos cozinheiros inexperientes: o mofo. Pão mofado, requeijão mofado, molho de tomate mofado, arroz mofado...
Não pude deixar de fitar o nariz. Talvez fosse o nariz que me olhasse, e não o contrário. A ponta era ligeiramente arredondada, mas o que mais chamava minha atenção era que esse nariz era arrebitado. Cinicamente arrebitado.
Sua dona, uma jovem senhora, levemente arredondada como seu nariz, não sorriu ao me ver. Quando me apresentei muito menos. O carmim da boca era um risco sem expressão. Os olhos também não disseram nada. O nariz, em compensação, continha toda a expressividade que o resto do rosto negava.
Não conversamos. Não havia nada a dizer. Seus olhos e sua boca confirmavam essa falta de assunto, mas o nariz dizia exatamente o contrário. Aquele nariz me inquiria de tal forma intensa que eu poderia admitir qualquer coisa, até o que não fiz, tamanha sua persuasão. Algo me dizia que a qualquer momento poderia ser desmascarada. Eu, vidrada naquele nariz. Por mais que a inquisição muda me incomodasse, não conseguia tirar os olhos daquele nariz tão curioso, arrebitadamente cínico e apaixonante.
A hipnose era tamanha que faria qualquer coisa para ter aquele nariz o mais próximo possível, mesmo que para isso tivesse que me entregar à sua dona, dizer todas as verdades, responder a todas as perguntas. Nada mais importaria, se pudesse enfim me livrar da fixação e da fissura por aquele nariz arrebitado que, de cínico a apaixonante, me conquistou para sempre.
Só quando você realmente sente ela, em todos os poros, em todas as células, é que entende aquele papo zen de que a tal é sinal de que está vivendo no futuro. Quando falo vivendo no futuro, pode até parecer uma coisa boa, mas não quando você não consegue se teletransportar pra lá. Fica aqui, com os pés no presente e com a cabeça e o coração lá no futuro. Além de não aproveitar o que tá acontecendo agora (ok, às vezes não tem nada pra aproveitar, mesmo), ainda cria uma montanha gigante de expectativas desse futuro que espera ansioso. Quando chega bem pertinho do futuro tão esperado, acaba tendo que pular lááá de cima da montanha de expectativas pra alcançar o que vai acontecer. Da queda, é lógico que sobra frio na barriga, que pode até ser legal e excitante, mas tem algo meio ruim nisso também, pois não deixa de ser uma queda. O que você sonhou, praticamente materializou de tanto pensar, vai ficando pra trás, lá em cima da montanha, e no fim pode não acontecer nada do que havia imaginado. Pode acontecer mais ou menos, pode acontecer exatamente o contrário. Então toda a ansiedade - que tem hora que é boa, tem hora que é uma merda -, toda a dor de barriga, todos os zilhões de pensamentos serão inutilizados na lata do lixo do futuro, que agora virou presente. E será que, depois de tanta expectativa, você vai enfim viver de verdade esse presente que era futuro?
Os dois últimos anos foram os mais confusamente sofridos da minha vida. Não digo que foram ruins - tive uma companhia fantástica, que fez as fontes que vazavam dos meus olhos cessarem de jorrar de tristeza - mas foram sofridos. Sofridos porque coincidiram com a minha passagem para a vida adulta: trabalho, cobranças, cartão-ponto, responsabilidades, desentendimentos com a família, stress, sexualidade... tudo se descobrindo ao mesmo tempo - me deixando gelada sem coberta. A vontade era sumir. Mas o que aconteceu foi que eu juntei isso com outro desafio maior ainda: um mestrado. A defesa será agora, dia 16 de março de 2012. Lá saberei se todo o esforço gerou algo útil para a humanidade. E a partir dessa resposta, vou saber se o esforço valeu pra pelo menos aprender a não querer abraçar o mundo com as pernas e a me dedicar de verdade ao que me proponho.
Agradeço a todos os envolvidos que colaboraram pra que essa capivara fosse parida :D
(Para Rogerio Velloso, diretor do documentário Daquele Instante em Diante) Como tenho amigos preciosos, alterei o texto para contar pra vocês quem são eles!
Conheci as músicas do Itamar quando estava no terceiro ano do colégio, através do cd q o Julio, meu professor de literatura, me deu. Já estava quase decidida a estudar música quando ganhei o cd...no repertório, Rumo, Preme, MPBs riquissimas e esse som estranho, com a música venha até são paulo. Só no ano seguinte, através de um cd que ganhei da Claudine, que fui descobrir q aquela delícia sonora era Itamar. Durante a faculdade (de música, claro) fiz dois shows-tributo ao Itamar. Queria que todo mundo soubesse quem tinha sido aquela figura negra, q infelizmente nunca pude conhecer pessoalmente, nem ir a um show, pois fui apresentada ao seu som (q como bem disse Luiz Tatit no seu documentário, não se pode ouvir e sair ileso) tarde demais. De qualquer maneira, aquela figura negra e alta, exatamente o meu oposto (sou uma baixinha branquela!), me atraía com sua voz, pra cantar o q ele cantava, pra querer dizer o mesmo q ele disse, da maneira musical q só ele sabia dizer. O fato de ter insistido tanto nos sons da Vanguarda durante a faculdade me fez ser lembrada por meus colegas, sempre q ouviam algum show do Arrigo ou alguma coisa relacionada, o q me deixa muito orgulhosa: uma sementinha eu plantei.
Ano passado comecei o mestrado em música aqui em Curitiba, passei com um projeto no qual me propunha a analisar as canções do Luiz Tatit com a teoria dele. Mais tarde, percebi q isso seria meio complicado, e ao mesmo tempo o som do Itamar me cutucava todos os dias, me alfinetando com sua "cara de mau". O Julio, q me deu o cd lá atrás, um grande amigo, faleceu há dois anos e parecia q ele (talvez em companhia de Itamar e Leminski?) ficava murmurando na minha orelha q devia estudar o Itamar, me arranjando mil motivos. Na semana de véspera de apresentar o trabalho pra aula de metodologia, mudei tudo, resolvi analisar o Itamar com os conceitos de semiótica propostos pelo Tatit. Pra fechar, no fim do ano passado, já às voltas com a delimitação das coisas, conheci a Alice Ruiz - mãe da Estrela, minha amiga do mestrado e pseudo-co-orientadora (o destino é mesmo surpreendente) - e outro grande amigo e professor, Alvaro Carlini, falou, num café: a Alice tá aqui, vivinha, pq não fala das músicas dela com o negão? Estava fechado o cerco da dissertação.
A Alice contando do q passou com ele, no seu filme, foi como me contou numa conversa na praia de Santos. As conversas que tivemos mexeram tanto comigo q até estou cogitando um doutorado...ainda em segredo. Mas ver na telona, fica ainda mais lindo, né? Ainda mais combinado com os depoimentos tão à vontade (o clima cozinha ficou perfeito, a cozinha de uma casa é sempre mais aconchegante) de outros amigos e familiares, q o tiveram tão perto, nos bons e maus momentos.
O que achei mais interessante foi a maneira com que vc encaminhou todas as fases da vida dele, desde o q ele mostrava em palco ao q ele era em casa, passando por sua personalidade desafiadora q todo mundo fala. Conversei muito com a Alice e a Estrela sobre ele, buscando nas palavras delas entender e tentar conhecer um pouco mais do meu "homem-objeto de pesquisa". Senti q seu documentário concluiu o que me faltava para conhecer Itamar, já q o abraço dele vai ter q ficar pra uma próxima. E vendo as lágrimas da Estrela, na última vez q assisti o documentário, entendi um pouco melhor onde ele toca a gente, e porque ele mexe tanto comigo: é q a canção vem da cabeça, mas antes de sair pela boca, passa pelo coração, pulmão, dedão. E sai inteira, plena de quem a compõe e de quem a canta. E aí preenche o ouvinte de todo o sentimento, uma possessão de sentimentos.
Faço minhas as palavras de Zélia Duncan, no livro de canções do Ita: "Mas eu me vingo de sua ausência cantando suas músicas, falando dele onde passo. Queria que cada brasileiro soubesse de cor uma canção de Itamar."
Rogerio, falei demais, sabe como são esses mestrandos, costumam ser meio prolixos. Acho que vou até colocar esse texto no meu blog...
É por tudo isso q assisti e quero voltar a assistir seu documentário, tão bem cuidado pra tratar de Itamar. Uma cópia dele seria perfeito, para poder usar citações e aprimorar meu trabalho. Já citei seu documentário lá, é claro. Qualifico agora em agosto, estou ansiosa pra ver no que vai dar tudo isso...
Aliás, em algum momento vc sentiu q era o negão q "dirigia" o filme? Hehehe, ele é danado.
Obrigada por perguntar o q senti, por abrir esse espaço pra te contar essa história. Obrigada por dedicar seu tempo ao Itamar!
Novamente, parabéns pelo belíssimo trabalho.
Helena
ps: agora que fui colocar o trailler do filme q entendi daonde veio o título do documentário! Eita, por que que eu não pensei nisso antes? Genial.
Minha amiga torrada Kátia (pra quem algum dia leu os posts antigos, leia o que fala sobre torradas e pães amanhecidos...aí vcs vão entender), debaixo de sua casaca funérea, tem um interior doce, que nem uma jaca*.
*Ok, nunca comi jaca, nem quero comer a Kátia, mas quero a metáfora do "meio cascudo mas vale a pena ver por dentro". Tá, a Kátia não é cascuda, ela só parece meio...Funérea, como a do desenho.
Enfim, a Kátia parece braba, e é. Mas às vezes é amorosa e digamos até caridosa, por isso resolveu fazer um sorteio! Sim, sorteio de um livro da Virginia Woolf, Entre os Atos.
Eu nunca fui de ganhar coisas, muito menos coisas legais, como um livro. Ganhei uma bicicleta uma vez, mas foi porque coloquei uns 200 papeizinhos com o meu nome na urna do sorteio. Aí era moleza, né? Ganhei também um jogo de panos de prato num bingo, que seria muito engraçado se fosse de igreja, mas era de um grupo escoteiro. Minha mãe adorou (não que ela goste de cozinha, mas panos de prato são sempre bem-vindos).
Bom, ontem, domingo dia do trabalho, a Kátia fez o sorteio e, vejam só, minha sorte mudou! Eu ganhei!!! E olha que não estava concorrendo só com quem colocou seu nome, mas com a possibilidade dos números da Loteria Federal não se juntarem em zero e um (pois é, de tão acreditada, eu estava concorrendo como número 1)! E não é q deu certo?
Kátia, minha amiga torrada, obrigada por amolecer seu coração. Obrigada Loteria Federal, pelo menos uma vez na vida ganhei alguma coisa de vc! hahahaha
E antes que meu orientador do mestrado descubra que estou lendo coisas alheias à pesquisa, vou-me embora.
Ontem fui ao show do Marcelo Jeneci, pianista, acordeonista e compositor de São Paulo, no Sesc da Esquina.
O cenário era simples, apenas umas rodas de bicicleta penduradas em frente ao pano preto do fundo do palco. Percebi mais tarde que elas não tinham muito significado, mas que durante o show pude perceber que foram bem complementadas com a iluminação, que variava entre o azul e o vermelho, e a combinação das duas cores, que dava um ar de show de cabaré em alguma cidade da década de 50.O público, pra mim, era um ilustre desconhecido. Apesar de dois rostos vagamente conhecidos, todos os outros me eram estranhos. Não achei nenhum músico conhecido, nenhum frequentador de shows de música como os que eu normalmente vou, ninguém da FAP (!). Ilustres desconhecidos, ou, como disse o Gui, um público curitibano, e ponto.
A primeira música começou exatamente como o CD, e logo pudemos perceber a formação excêntrica, mas que deu certo, da banda do Jeneci: Curumin na bateria (um caso a parte, que valeria um novo post), duas guitarras e um baixo (detalhe: todos com os instrumentos lá embaixo, quase como os músicos de bandas de rock pesado), Jeneci na frente, de azul, e com sua linda sanfona, e Laura sentada ao piano. Quando Laura veio à frente, foi como se os dois estivessem cantando em uma quermesse de um lugar ermo e pouco habitado, imagem quebrada e contraposta apenas pela formação da banda atrás e ao lado deles.
Na música seguinte, Jeneci já diz que está muito feliz de estar tocando fora de São Paulo, e percebo que estamos presenciando o despontar de um artista. Deve ser uma sensação incrível, estar em uma cidade nova e ouvir o público cantar decór suas canções. Eu que sou chorona, já deixava escorrer algumas lágrimas, não só pelas letras, que mais pra frente comentarei, mas por sentir (assim como senti no show da Estrela Leminski) que eu também estou no caminho certo como compositora.
A participação especial do show foi o cantor, escritor e compositor José Miguel Wisnik, que conheci pessoalmente na Virada Paulista do ano passado, e por quem sempre fui encantada. Depois de cantar duas músicas, Zé Miguel foi ao piano e falou do Marcelo, algo que se confirma ao ouvir suas músicas. Jeneci começou como instrumentista, e a passagem da música instrumentalpara a canção tem as suas dificuldades, afinal, canção não é só colocar a letra numa música pronta. As melodias devem fortalecer o que se diz, e vice-versa, como num malabarismo, e é aí que Luiz Tatit nos fala da eficácia do cancionista, em usar a melodia certa para enfatizar e dar o tom do que se diz na letra da canção. Mais do que isso, ser sincero no que se diz na canção é o melhor caminho para tocar o público, pois este se sente familiarizado com o que se diz. E Marcelo Jeneci faz isso com genialidade em suas canções, destaque para Pra Sonhar, provavelmente a faixa mais conhecida do disco. Jeneci/Laura também cantaram uma música gravada por Roberto Carlos, além de uma de suas canções ser bem similar ao "modelo" do rei, localizado no cerne da canção brasileira. Um quê de brega, mas equilibrado, e sincero.
Wisnik cantou a primeira música de Jeneci que ele considerou uma canção de verdade, e foi lindo vê-lo sozinho ao piano, acompanhado apenas pela sanfona de Jeneci, para mim, ponto alto do show.Atentando para as letras, creio que poderia incluir Jeneci entre os músicos e compositores do que vem se chamando da Nova Vanguarda Paulista. Como a Estrela bem defendeu em sua tese de mestrado, os músicos da Vanguarda Paulista da década de 80 (que influenciam os de hoje) davam uma importância especial à letra, não colocada à frente da música, mas envolvida nesta de tal maneira que letra e melodia se tornam uma coisa só. Daí a eficácia da canção, e a sinceridade fortalecida pelo como se diz.
Laura, a cantora que acompanha Jeneci, e que ele disse ser fundamental para todo o seu projeto musical, merece um parágrafo à parte. Pequena, mas com um salto bem alto e usando um macaquinho curto, mas não vulgar, poderia ter um ar de ninfeta, mas durante o show, a gente percebe que ela é verdadeiramente tímida. Sua voz, um caso à parte. Clara, limpa, aguda porém macia. Canta melodias às vezes complexas com naturalidade, dando um ar ainda mais sincero às letras de Jeneci. Em algumas músicas, seu timbre criava um ar ela tinha acabado de chorar por horas, e agora estava vazia, recomposta e límpida, como o ar depois da chuva. Seus olhos ligeiramente caídos, davam um ar de meigura a tudo que ela fazia. Ao fim do show, um tchau muito tímido, como se ela já não tivesse invadido a todos com sua voz.
O disco de Jeneci, Feito Pra Acabar, está para download na @musicoteca, por aqui, e recomendo especialmente pelo cuidado ao somar arranjos, melodias, letras e timbres. Tudo sincero.Ponto extra para a música Pense duas vezes antes de esquecer: quando a Laura entra cantando, perceba bem, o olho enche d'água no terceiro verso, com a frase ascendente minha digital impressa no seu dedoe a lágrima cai no seus cabelos encaracolaram os meus. Ok, isso pode ter parecido bem brega, mas embalou vários casais no show, e se tudo der certo (como já dá) na carreira de Jeneci, ainda vai embalar muita gente.