quinta-feira, 14 de abril de 2011

Sincero

Ontem fui ao show do Marcelo Jeneci, pianista, acordeonista e compositor de São Paulo, no Sesc da Esquina.

O cenário era simples, apenas umas rodas de bicicleta penduradas em frente ao pano preto do fundo do palco. Percebi mais tarde que elas não tinham muito significado, mas que durante o show pude perceber que foram bem complementadas com a iluminação, que variava entre o azul e o vermelho, e a combinação das duas cores, que dava um ar de show de cabaré em alguma cidade da década de 50. O público, pra mim, era um ilustre desconhecido. Apesar de dois rostos vagamente conhecidos, todos os outros me eram estranhos. Não achei nenhum músico conhecido, nenhum frequentador de shows de música como os que eu normalmente vou, ninguém da FAP (!). Ilustres desconhecidos, ou, como disse o Gui, um público curitibano, e ponto.
 
A primeira música começou exatamente como o CD, e logo pudemos perceber a formação excêntrica, mas que deu certo, da banda do Jeneci: Curumin na bateria (um caso a parte, que valeria um novo post), duas guitarras e um baixo (detalhe: todos com os instrumentos lá embaixo, quase como os músicos de bandas de rock pesado), Jeneci na frente, de azul, e com sua linda sanfona, e Laura sentada ao piano. Quando Laura veio à frente, foi como se os dois estivessem cantando em uma quermesse de um lugar ermo e pouco habitado, imagem quebrada e contraposta apenas pela formação da banda atrás e ao lado deles.

Na música seguinte, Jeneci já diz que está muito feliz de estar tocando fora de São Paulo, e percebo que estamos presenciando o despontar de um artista. Deve ser uma sensação incrível, estar em uma cidade nova e ouvir o público cantar decór suas canções. Eu que sou chorona, já deixava escorrer algumas lágrimas, não só pelas letras, que mais pra frente comentarei, mas por sentir (assim como senti no show da Estrela Leminski) que eu também estou no caminho certo como compositora.

A participação especial do show foi o cantor, escritor e compositor José Miguel Wisnik, que conheci pessoalmente na Virada Paulista do ano passado, e por quem sempre fui encantada. Depois de cantar duas músicas, Zé Miguel foi ao piano e falou do Marcelo, algo que se confirma ao ouvir suas músicas. Jeneci começou como instrumentista, e a passagem da música instrumentalpara a canção tem as suas dificuldades, afinal, canção não é só colocar a letra numa música pronta. As melodias devem fortalecer o que se diz, e vice-versa, como num malabarismo, e é aí que Luiz Tatit nos fala da eficácia do cancionista, em usar a melodia certa para enfatizar e dar o tom do que se diz na letra da canção. Mais do que isso, ser sincero no que se diz na canção é o melhor caminho para tocar o público, pois este se sente familiarizado com o que se diz. E Marcelo Jeneci faz isso com genialidade em suas canções, destaque para Pra Sonhar, provavelmente a faixa mais conhecida do disco. Jeneci/Laura também cantaram uma música gravada por Roberto Carlos, além de uma de suas canções ser bem similar ao "modelo" do rei, localizado no cerne da canção brasileira. Um quê de brega, mas equilibrado, e sincero.

Wisnik cantou a primeira música de Jeneci que ele considerou uma canção de verdade, e foi lindo vê-lo sozinho ao piano, acompanhado apenas pela sanfona
de Jeneci, para mim, ponto alto do show. Atentando para as letras, creio que poderia incluir Jeneci entre os músicos e compositores do que vem se chamando da Nova Vanguarda Paulista. Como a Estrela bem defendeu em sua tese de mestrado, os músicos da Vanguarda Paulista da década de 80 (que influenciam os de hoje) davam uma importância especial à letra, não colocada à frente da música, mas envolvida nesta de tal maneira que letra e melodia se tornam uma coisa só. Daí a eficácia da canção, e a sinceridade fortalecida pelo como se diz.

Laura, a cantora que acompanha Jeneci, e que ele disse ser fundamental para todo o seu projeto musical, merece um parágrafo à parte. Pequena, mas com um salto bem alto e usando um macaquinho curto, mas não vulgar, poderia ter um ar de ninfeta, mas durante o show, a gente percebe que ela é verdadeiramente tímida. Sua voz, um caso à parte. Clara, limpa, aguda porém macia. Canta melodias às vezes complexas com naturalidade, dando um ar ainda mais sincero às letras de Jeneci. Em algumas músicas, seu timbre criava um ar ela tinha acabado de chorar por horas, e agora estava vazia, recomposta e límpida, como o ar depois da chuva. Seus olhos ligeiramente caídos, davam um ar de meigura a tudo que ela fazia. Ao fim do show, um tchau muito tímido, como se ela já não tivesse invadido a todos com sua voz.

O disco de Jeneci, Feito Pra Acabar, está para download na @musicoteca, por aqui, e recomendo especialmente pelo cuidado ao somar arranjos, melodias, letras e timbres. Tudo sincero. Ponto extra para a música Pense duas vezes antes de esquecer: quando a Laura entra cantando, perceba bem, o olho enche d'água no terceiro verso, com a frase ascendente minha digital impressa no seu dedo e a lágrima cai no seus cabelos encaracolaram os meus. Ok, isso pode ter parecido bem brega, mas embalou vários casais no show, e se tudo der certo (como já dá) na carreira de Jeneci, ainda vai embalar muita gente.

Um comentário:

  1. Realmenete eles são muito bons!
    Amei a música "PRA SONHAR"
    Talento não os falta.

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