qu'est-ce qu'une vie bonne, malgré tout? Mitologia e Luc Ferry

Ontem tive a oportunidade (merci, cher papa!) de ver a palestra do filósofo francês Luc Ferry, considerado um dos maiores filósofos da atualidade. Pra entender por onde o cara "tateia", saiba q ele foi ministro da educação na França, e durante seu mandato retirou todas as imagens religiosas das escolas francesas. Afinal, escola, governo e religião não deveriam se misturar, pelo menos não na opinião de muita gente.A palestra foi no teatro Positivo, que estava praticamente lotado. Apesar de a palestra ser em francês, tive facilidade em compreender o que ele falava, mesmo sem o fone com tradução simultânea. Como falei pro Gabi, meu irmão, eu entendo bem, o problema da francesa que existe dentro de mim é vocabulário.

A questão central da palestra era qu'est-ce qu'une vie bonne, malgré tout? Como ter uma vida boa, apesar de tudo. Ferry considera essa a questão central da vida humana, e pra ilustrar ele nos contou uma passagem da mitologia grega. Como não escrevi enquanto ele contava, não sei direito o nome dos Deuses. Se trata do casamento de uma Deusa e um humano (se não me engano, esse humano seria transformado em deus, evento que os gregos chamam de apoteose - adorei isso). A deusa Éris, que em grego significa discórdia, se auto-convidou para a festa, levando uma maçã de ouro, com a seguinte inscrição "à mais bela". Esse ficou conhecido como o pomo da discórdia, que causou sensação no casamento, muito mais que a noiva jogando o buquê. Na disputa final, sobraram as belíssimas deusas Hera (1ª dama do Olimpo), Atena (filha de Zeus, deusa da Guerra) e Afrodite (deusa da beleza, segundo Ferry, ela é tia de Zeus, será?). Chamaram Zeus pra dar o veredicto final, e é claro que ele, esperto e mais liso que bagre ensaboado, passou o servicinho pra um humano - os humanos tão aí pra isso mesmo né. Nesse caso, Páris (aquele de pernas bonitas que o Brad Pitt interpretou em Tróia).

Dispostas a qualquer coisa pra ganhar o pomo da mais bela, as deusas sugeriram algumas propinas, a fim de seduzir Páris: Hera prometeu juventude eterna, Atena disse q ele ganharia todas as batalhas, e Afrodite apostou no seu assunto predileto, calcanhar de Aquiles* dos homens: Páris teria a mulher mais bela do mundo em sua cama se escolhesse ela como a deusa mais bela, merecedora do pomo dourado. É lógico que Páris escolheu ter a mulher mais bonita do mundo na dele. Só que a mulher mais bonita era Helena (e continua sendo, modéstia parte. hahahahahahahaha, tudo bem, chega.), uma troiana, e daí veio a guerra de Tróia que todo mundo conhece, umas das mais sanguinárias da história, e que durou 10 anos.

Ulisses retornaria à ilha de Itaca após a guerra, voltar para sua pátria e sua mulher, Penélope, não tivesse ele furado o olho de um ciclope (não sei o nome) filho de Poseidon. Como vingança, o deus dos mares dificultou ao máximo o retorno de Ulisses para casa. E bota dificuldade nisso, 10 anos! sendo que 7 destes ele passou preso na ilha onde ficava a deusa Calypso, que em grego tem alguma coisa a ver com aprisionamento.

Assim que Ulisses chega a essa ilha paradisíaca, a deusa Calypso se apaixona instantaneamente por ele, e faz de tudo pra que ele nunca mais a deixe. Sendo ela uma "sex bomb", como disse o próprio Luc Ferry, não foi assim tão difícil de segurar Ulisses. Ele passava os dias com ela, fazendo estripulias, orgias e tudo mais, numa ilha paradisíaca, adulado por ninfas tão belas quanto a deusa. A idéia era fazê-lo esquecer para sempre sua mulher e a ilha de Ítaca. Mas todas as noites ele chorava de saudade. Depois de 7 anos, Calypso já tava ficando de saco cheio daquela choradeira noturna, e deu duas opções a Ulisses, perante Zeus: Se quiser partir, pode ir. Se ficar, terá juventude e vida eternas.

É nessa parte que Luc Ferry nos mostra a presença da espiritualidade na mitologia grega: essa chance de ter vida e juventude eternas é o espiritual, o impalpável, aquilo que ele coloca como sendo desconhecido e provavelmente impossível de ser alcançado. E a partir disso, nos trás de volta aos dias de hoje, para nos mostrar como nossos ideais mudaram, a noção de sagrado hoje, de desejo maior, não é a mesma de ontem. A maioria das pessoas afirmaria, sem titubear, que morreria por um filho, por um irmão, mas não pela pátria, por Deus ou pela revolução. O conceito de sagrado está mudando... interessante observar que em francês, dizemos sacré, muito próximo de sacrifício (isso foi uma constatação minha, não sei se o filósofo quis dar a entender isso mesmo). O sagrado, pelo qual nos sacrificaríamos, virou o próximo, uma espécie de sacralização do humano, que é um ente e existe sem dúvida, é real. Deixamos de nos sacrificar pelo impalpável, incerto e irreal. E isso é bom! A humanidade cada vez mais vive na realidade, no aqui e agora, ici e maintenant, e vive com amor. Um sinal de que os relacionamentos são fundados no amor é o divórcio: antes não se casava por amor, mas para proliferar a espécie, para ter uma casa só em vez de duas, ou seja, era uma questão de interesse, de comodidade. Hoje se casa por amor, e quando o amor acaba, as pessoas se separam (ou deveria ser assim). Novamente, uma mudança de ideais.

Depois dessa longa história, ele volta à questão: afinal, como é viver bem? Viver bem é estar no presente, menos saudosismo (passado), menos esperança (futuro)*, mais amor, mais agora.

*Luc chama o passado e o futuro de "as duas calamidades da vida humana".

Resumindo, quer saber como ter uma vida boa? ame aqui e agora.